Torah e Tzedaká é o segmento do Espaço Torah dedicado à justiça social que compreende as ações de caridade no Judaísmo, liderado pelo nosso Rosh Shimon Ben Avraham.
O termo “tzedaká” deriva da raiz hebraica “tzadik” (צדק), que significa “justiça” ou “retidão”. Assim, praticar tzedaká não é apenas uma demonstração de generosidade, mas um ato de cumprir com a justiça. Como está escrito na Torá: “…darás livremente a ele, e teu coração não se entristecerá quando o deres, pois por causa disso o Senhor teu Deus te abençoará em todas as tuas obras e em tudo o que colocares a tua mão” (Devarim 15:10).
Esse versículo não apenas encoraja a doação, mas também enfatiza a atitude correta: doar de coração aberto e sem pesar.
A caridade, ou tzedaká, é um dos pilares fundamentais do judaísmo, profundamente enraizada nos ensinamentos da Torá e no pensamento dos grandes sábios. Diferente da concepção ocidental de caridade como um ato de bondade ou generosidade, a tzedaká é vista como uma obrigação moral e espiritual, uma expressão de justiça social que reflete a essência da relação entre o indivíduo, a comunidade e Deus.
O profeta Isaías também conecta a prática da tzedaká à essência do relacionamento com Deus: “Aprendei a fazer o bem; buscai o que é justo, ajudai o oprimido, fazei justiça ao órfão, defendei a causa da viúva” (Isaías 1:17). Aqui, vemos a clara ligação entre justiça social e responsabilidade coletiva, elementos centrais da tzedaká.
Um dos textos mais citados sobre a tzedaká vem de Maimônides (Rambam), um dos mais renomados sábios do judaísmo medieval. Em sua obra “Mishné Torá”, ele define oito níveis de tzedaká, que variam de acordo com o impacto e a dignidade oferecida ao beneficiário. O nível mais elevado, segundo Maimônides, é ajudar alguém a se tornar autossuficiente, seja através de um empréstimo, parcerias ou oportunidades de trabalho. Ele escreve: “O maior nível, acima do qual não há outro, é apoiar um judeu que está em necessidade dando-lhe um presente ou empréstimo, ou formando uma parceria com ele, ou encontrando-lhe um emprego, para fortalecê-lo até que ele não precise mais pedir a outros” (“Mishné Torá”, Hilchot Matnot Aniyim 10:7-14).
Essa perspectiva destaca um aspecto crucial da tzedaká: ela não apenas alivia a necessidade imediata, mas também busca promover a dignidade e a independência do beneficiário. Isso reflete um entendimento profundo da justiça social como um processo dinâmico, em que a solidariedade coletiva visa transformar realidades estruturais.
A prática da tzedaká também está vinculada à ideia de que toda riqueza pertence, em última instância, a Deus. Os seres humanos são apenas administradores das bênçãos materiais, encarregados de usá-las para beneficiar a sociedade. Como declarado em Levítico: “Quando fizeres a colheita da tua terra, não segarás até os limites do teu campo, nem recolherás as espigas caídas da tua colheita. Deixá-las-ás para o pobre e para o estrangeiro. Eu sou o Senhor, vosso Deus” (Levítico 23:22). Essa instrução ilustra um sistema de justiça social integrado à vida econômica, assegurando que os mais vulneráveis tenham acesso aos recursos necessários.
Os rabinos talmúdicos também enfatizaram a centralidade da tzedaká. No Talmude, encontramos a declaração: “A tzedaká equivale a todos os outros mandamentos combinados” (Bava Batra 9a). Essa afirmação não apenas destaca a importância da tzedaká, mas também sugere que ela é fundamental para a manutenção de uma sociedade justa e equilibrada.
A prática de tzedaká também envolve a intencionalidade e a sensibilidade. O judaísmo ensina que o modo como a caridade é dada importa tanto quanto o ato em si. Doar de maneira humilhante ou com intenções egoístas pode anular o impacto positivo do gesto. O rabino Samson Raphael Hirsch, um importante exegeta do século XIX, escreve que a tzedaká é uma expressão de nosso compromisso com a responsabilidade mútua, um ato que reconhece a humanidade compartilhada e a dignidade de cada indivíduo.
No contexto contemporâneo, a tzedaká continua sendo uma prática viva e central na vida judaica, manifestando-se de muitas maneiras: doações financeiras, voluntariado, programas comunitários e iniciativas de justiça social. Em um mundo marcado por desigualdades profundas, a mensagem da tzedaká – de que a justiça não é apenas um ideal, mas uma obrigação – é mais relevante do que nunca.
A tzedaká também é uma ponte entre a espiritualidade e a ação concreta. Como ensina o Pirkei Avot (Ética dos Pais): “O mundo se sustenta sobre três coisas: a Torá, o serviço divino e os atos de bondade” (Pirkei Avot 1:2). A prática da tzedaká não apenas transforma a vida daqueles que recebem, mas também enriquece espiritualmente os que doam, criando um ciclo virtuoso de justiça, compaixão e solidariedade.
Em suma, a tzedaká é muito mais do que uma prática de caridade; é um imperativo moral, um pilar da justiça social e uma expressão tangível da espiritualidade judaica. Fundamentada na Torá e enriquecida pelos ensinamentos dos sábios, a tzedaká nos convida a construir um mundo mais justo e compassivo, onde a dignidade humana seja preservada e todos tenham a oportunidade de prosperar. Como afirma o provérbio judaico: “Mais do que o rico faz pelo pobre, é o pobre que faz pelo rico, pois lhe dá a oportunidade de cumprir a mitzvá”.