Os Dias Parecem Iguais?

Como anda a vida? Uma pergunta que pode levar horas para ser respondida por uns, e já para outros, segundos, pois há quem nem queira tocar no assunto. A resposta geralmente vem em uma palavra, ou numa frase resumida, e sem profundidade ou reflexão. “Correria”, “falta de tempo”. Fatos que na verdade, sim, podem levar os dias dos seres humanos a se parecerem todos iguais.

O mundo contemporâneo é marcado, e isso não é novidade, por uma velocidade frenética e uma busca incessante por produtividade, seja na vida profissional ou pessoal, o tempo é escasso, e nisso geralmente as primeiras negligências que são praticadas são em relação à saúde física, mental e espiritual. As pessoas se tornam tão imersas em suas responsabilidades que acabam colocando a saúde e o equilíbrio de lado, acreditando que a única forma de alcançar sucesso é por meio de trabalho árduo e constante. É como uma resposta automática do corpo, ou a alma animal falando mais alto.

Mas a pergunta que muitas pessoas neste cenário deveriam ser fazer, antes de qualquer coisa, é: por onde anda a parte restante da vida? O que nos diz a nossa alma espiritual sobre isso (e o que ela é)? Os sábios nos dizem que com certeza a alma, antes de mais nada, se mostra muito insatisfeita diante de tudo isso é claro, pois ela guarda o que temos de “divino” dentro de nós, que devemos entender como: uma sabedoria superior que vai além da nossa porção animal, e que portanto, é onde se desperta o anseio para que as coisas se tornem melhores, e haja a busca por um equilíbrio. É também o que pode nos tornar, e aos nossos dias, realmente diferentes uns dos outros. Mas como?

E nisso mais uma reflexão importante surge: essa vida melhor, esse equilíbrio, se lhe fosse concedido agora, como se fosse virada uma chave em sua vida, encontraria um lugar adequado onde pudesse se manifestar, e se mostrar real? Uma dádiva está prestes a lhe ser entregue, mas você tem como recebê-la? Encontramos na Torá uma importante base para esta resposta.

O livro de Vayikra (Levítico) na Torá é marcado por uma série de especificações detalhadas para a construção de um tabernáculo onde a presença divina pudesse se manifestar de maneira plena, pode nos permitir uma reflexão valiosa para a busca de uma resposta para isso. Minha proposta, como sempre, é explorarmos este conhecimento milenar, e conto com você para isso!

O Tabernáculo como Morada do Eterno: A Instrução de Vayikra

O livro de Vayikra (Levítico) é um dos textos fundamentais da Torá, que descreve, entre outras coisas, as instruções detalhadas dadas por pelo Eterno nosso Criador ao povo de Israel sobre como construir o tabernáculo, um espaço sagrado onde Sua presença deveria habitar. Na tradução literal, tabernáculo significa “local de habitação”. Em Vayikra 25:8, lemos: “Farás para mim um tabernáculo, e habitarei no meio de vós”. Este versículo revela uma ideia central: nosso Criador deseja habitar no meio do Seu povo, mas para isso, o local precisa ser purificado e preparado de maneira cuidadosa e meticulosa.

A construção do tabernáculo exigia uma atenção minuciosa aos detalhes. A Torá descreve de forma precisa os materiais a serem utilizados, as medidas exatas, e até a maneira como cada item dentro do tabernáculo deveria ser tratado. Não se tratava de uma construção comum, mas de uma obra divina, que deveria refletir a santidade da presença do Eterno. Assim, o tabernáculo não era apenas um espaço físico, mas um recipiente espiritual, projetado para receber a presença divina.

Da construção cuidadosa do tabernáculo podemos abstrair uma metáfora para o corpo humano. Assim como o tabernáculo precisava ser minuciosamente projetado para receber a presença do Eterno nosso Criador, o corpo humano também deve ser preparado para ser um recipiente digno para a alma divina. Sim, você tem uma! O corpo não é apenas uma estrutura material; é o local onde a alma habita e, por isso, deve ser tratado com o mesmo respeito e zelo com que o tabernáculo foi construído. Essa analogia nos ensina que o cuidado com o corpo não deve ser negligenciado, pois ele é o espaço onde nossa alma se manifesta e cumpre sua missão.

O Corpo Humano Como Tabernáculo da Alma

A analogia entre o tabernáculo e o corpo humano encontra um forte respaldo na tradição judaica, que considera o corpo como o recipiente no qual a alma divina reside. O corpo humano, como o tabernáculo, é considerado um espaço sagrado e, como tal, deve ser tratado com reverência e cuidado. A Torá nos ensina que a pureza física e espiritual são interdependentes, e ambas devem ser cultivadas para que possamos nos conectar plenamente com o Eterno nosso Criador.

Em Vayikra 11, encontramos as leis de kashrut, que regulamentam os alimentos que o povo de Israel deve consumir. Essas leis, aparentemente simples, têm uma profunda conexão com a saúde física e espiritual. Elas nos ensinam que o que colocamos no nosso corpo tem um impacto direto sobre nossa espiritualidade. A alimentação saudável e pura não é apenas uma questão de nutrição física, mas também um meio de elevar a alma e permitir que ela funcione de maneira adequada dentro do corpo.

Além disso, em Vayikra 21, vemos que os sacerdotes que servem no tabernáculo devem manter um alto nível de pureza, tanto física quanto espiritual, para que possam representar o povo diante de nosso Criador. Este princípio se aplica a todos nós: para que nossa alma possa se manifestar plenamente em nossas ações, devemos manter nosso corpo saudável e em harmonia com a espiritualidade. O cuidado com o corpo, portanto, é um ato de preparação, permitindo que o corpo e a alma trabalhem juntos para cumprir nosso propósito divino.

D’us Está Nos Detalhes: A Importância dos Pequenos Cuidados Diários

A ideia de que “Deus está nos detalhes” reflete uma importante lição da Torá, especialmente evidente na Parashá Mishpatim. Uma parashá é uma seção da Torá, e Mishpatim é a parashá que segue a entrega dos Dez Mandamentos e contém uma série de leis que governam a vida social e moral de Israel. Ao contrário das leis de caráter mais cerimonial e religioso, Mishpatim aborda questões práticas e cotidianas, como a justiça, o tratamento dos outros e a responsabilidade social. Nesse contexto, o Eterno nosso Criador nos ensina que até os detalhes aparentemente simples e pequenos da vida cotidiana têm grande importância no plano divino.

A afirmação de que “Deus está nos detalhes” pode ser entendida como uma forma de enfatizar que não devemos negligenciar nenhum aspecto da nossa vida, por mais insignificante que pareça. Cada detalhe, por mais simples, é uma oportunidade de servir a nosso Criador e de manifestar Sua presença no mundo. Quando aplicamos essa ideia ao cuidado com o corpo, entendemos que até as pequenas ações diárias – como a escolha do que comer, o tempo dedicado ao descanso, ou a atenção dada à saúde mental – são fundamentais para criar um corpo que possa receber a bondade divina.

Em Mishpatim, aprendemos que a justiça não se limita a grandes ações, mas também se reflete em nossos comportamentos cotidianos. Da mesma forma, o cuidado com o corpo não se limita a grandes mudanças ou gestos, mas está presente nos pequenos atos diários de autocuidado. Comer de forma saudável, praticar exercícios, cuidar da saúde mental e emocional, e garantir que nosso corpo tenha tempo para descansar e se regenerar são todos detalhes essenciais para garantir que possamos ser recipientes adequados para a presença divina.

Criando Recipientes Para Receber as Glórias de Deus

No Judaísmo, existe um conceito importante que afirma que devemos criar “recipientes” para receber as bênçãos e a bondade de nosso Criador. Esses “recipientes” não são objetos materiais, mas sim atitudes e comportamentos que permitem que as bênçãos divinas fluam em nossas vidas. O corpo humano é o maior desses recipientes, e a maneira como o cuidamos determina quão bem podemos receber as glórias de nosso Criador.

O conceito de “recipientes” está intimamente ligado à ideia de preparação. Assim como o tabernáculo foi cuidadosamente projetado para ser um recipiente para a presença de nosso Criador, devemos preparar nosso corpo e nossa alma para receber a bondade divina. Isso envolve criar um estado de equilíbrio, onde a saúde física, mental e espiritual estejam em harmonia. Cuidar do corpo e da alma é uma maneira de criar um recipiente digno para que a presença divina possa habitar em nós.

As Consequências de Negligenciar o Corpo e a Alma

Em Vayikra 26, o Eterno nosso Criador nos apresenta as consequências de não seguir Seus mandamentos. As bênçãos para aqueles que obedecem a nosso Criador incluem saúde, prosperidade e paz. No entanto, para aqueles que desobedecem, há advertências de doenças e dificuldades físicas e espirituais. “Se não me ouvirdes e não guardardes todos esses mandamentos… então punirei vós com as suas doenças” (Vayikra 26:14-16). Essas advertências não devem ser vistas apenas como punições, mas como consequências naturais de uma vida desbalanceada.

Quando negligenciamos o cuidado com nosso corpo e nossa alma, estamos criando as condições para que doenças físicas, estresse mental e dificuldades espirituais surjam. O desequilíbrio entre o corpo e a alma pode resultar em um vazio existencial e em um afastamento da presença divina. A Torá nos ensina que, para alcançar a saúde, a paz e a prosperidade, devemos cuidar do corpo e da alma com o mesmo zelo com que se construiu o tabernáculo, garantindo que ambos sejam recipientes dignos para a presença de nosso Criador.

D’us Está nos Detalhes

O corpo humano, assim como o tabernáculo descrito em Vayikra, é o espaço sagrado onde a alma divina reside. A falta de cuidado com o corpo e a alma, além de impedir que possamos receber a presença divina e cumprir nosso propósito espiritual, pode fazer com que a sua própria alma não queira mais habitar ali.

A afirmação de que “D’us está nos detalhes”, nos diz que devemos prestar atenção aos pequenos detalhes da vida cotidiana, pois são nesses momentos que podemos realmente refletir no Eterno, e para isso, precisamos cuidar do corpo e da alma, o que é um ato de preparação para criar os recipientes dignos para a bondade de nosso Criador. Ao manter nossa saúde física, mental e espiritual em equilíbrio, estamos nos preparando para receber as bênçãos divinas e para cumprir nosso propósito no mundo.
Portanto, o autocuidado não é apenas uma responsabilidade pessoal, mas uma obrigação espiritual.

Quando cuidamos do nosso corpo e alma, estamos honrando a presença divina que reside em nós. O cuidado integral com o corpo e a alma é a chave para uma vida equilibrada, próspera e plena, onde podemos manifestar a presença de nosso Criador em nossas ações e em nosso ser.

Por Sha’ul Ben Avraham