Universalidade

Universalidade é por onde começarei esta reflexão, que pretende passar e chegar a muitos lugares. Quanto ao universal, quero me referir àquilo que transcende e possui valor além das barreiras limítrofes de nossas casas, comunidades, países, raças, crenças, e até mesmo de conceitos como o tempo e o espaço. Universal é, portanto, o que faz sentido independente de tudo isso. Parece profundo, e é mesmo!

E o que é profundo pode nos levar à ideia de algo importante, mas difícil de se obter. Afinal, geralmente algo que está profundo, o está por ser protegido. E também, é algo que vai requerer esforço, uma verdadeira escavação para se atingir. Sim! Mas neste caso, considerando que a chave mais importante para a universalidade da qual estamos falando está dentro do homem, e que sempre esteve, talvez não seja tão difícil assim. Ao menos não deveria. Desafiador, talvez. Questão de escolha na verdade!

Por várias experiências relacionadas à convivência humana em nossas vidas, vividas por nós mesmos ou por nós observadas, podemos ser levados a construir a ideia de que há uma complexidade muito grande quanto a tudo o que é relacionado ao trato com o ser humano. E ao examinar atentamente, e concluir que tudo em nosso dia a dia se refere de algum modo a seres humanos, essa ideia pode nos levar à uma convicção de que existe um alto grau de complexidade em viver numa civilização estruturada até mesmo, e até na vida. Mas será que isto está correto?

Somos Humanos?

Será que não estamos nos esquecendo de que também somos humanos, e que sendo humanos, sabemos, ou deveríamos ser os mais indicados para saber, ou buscar saber, como funcionamos? Afinal, viver é um caminho pelo qual passamos (enquanto “espécie”) diariamente, e nem que seja minimamente, passamos a conhecê-lo, e a saber como é caminhar. Sim! Justamente aí mora a universalidade.

E aqui é importante também refletir que: nem você e nem eu somos os primeiros a passar por este caminho. Há milênios pessoas passam por ele. E assim, surge uma questão importante: deveria ainda ser tão complexo assim até hoje caminhar? Se temos a direção, ou ao menos a indicação dela, para um nível de compreensão mais elevado e universal da vida, e se este caminho já é transitado há milênios, o que nos falta para avançar?

E as respostas começam a chegar quando resolvemos começar a ouvi-las. Dada à profundidade de alguns questionamentos, como já o fiz em outras ocasiões, me pareceu pertinente um olhar mais universal, milenar, e o resgate de referências naquela que, no “mínimo” (numa perspectiva mínima, digo), deve ser percebida como evidentemente a literatura mais publicada e estudada pelo ser humano até hoje: a Torá (se você não é judeu, e está no Ocidente, pode chamar de Bíblia também, e sim, tratam-se dos mesmos textos, porém com diferenças na tradução, dentre outras). E sim, se você possui questões universais que gostaria de buscar claridade, e se elas são sobre seres humanos, considere buscar nesta fonte uma visão. Dela vem toda a reflexão a seguir. E sobre o que mais vamos refletir agora mesmo? Pluralidade!

Pluralidade. Palavra Bonita!

Não deveria ser necessário, mas é muito importante enfatizar neste momento, que os princípios delineados a seguir, devem ser compreendidos além de qualquer ótica religiosa ou cultural. Afinal, começamos falando de questões universais, então sigo cumprindo com a proposta.

E esta visão universal e milenar sobre delegação, pluralidade, e liderança, que busco explorar aqui tem muito a contribuir seja você um líder ou não, e “religioso”, ou não. Pois independente de tudo isso, todos temos caminho a percorrer. Mas cabe aqui dizer, que se você é líder de algo, esta visão é mais importante ainda, pois seu posto te torna responsável por direcionar o caminho de outras pessoas, além do seu próprio. E não são apenas as minhas dezenas de anos de experiência nisso que estão dizendo, mas sim, os mais de 5.000 do conhecimento no qual busco referências. Porém, a escolha quanto a receber ou não contribuição, é de cada um. Mais uma vez, questão de escolha.

Mas apesar desta decisão, se o termo pluralidade foi o que especialmente te trouxe até aqui, entenda que qualquer obstáculo que possa ter surgido nesse sentido, agora que falei em Torá, para esta reflexão, talvez possa ser um sinal de que você precise ainda mais dela, para poder compreender e usufruir de tudo aquilo em que podemos evoluir ouvindo a pluralidade, não é mesmo? Então vamos a ela!

Onde começa: O Encontro de Moshe e Yitro

E indo para a prática agora, resgatando, deste modo, o trecho da Torá presente no livro de Shemot (também conhecido como Êxodo, na Bíblia Ocidental), em seu capítulo 18 podemos encontrar os profundos princípios de liderança e organização que mencionei no título do artigo, muito discutidos nos dias atuais, retratados de um modo que evidencia como sua relevância resiste ao tempo. Em outras palavras, sim, delegar e ouvir a pluralidade é questão desde sempre.

Este trecho que menciono descreve o encontro entre Moshe (Moisés), líder dos Israelitas, e seu sogro Yitro (Jetro), sacerdote de Midiã, quando este visita Moshe no deserto trazendo-lhe sua esposa, Zípora, e seus filhos, depois que os israelitas foram libertados do Egito. Durante sua estada, Yitro observa que Moshe está sobrecarregado, atendendo sozinho a todas as questões e disputas do povo.

Yitro, com sabedoria e experiência, sugere um sistema de delegação: Moshe deveria escolher homens capazes e tementes a D’us para atuarem como juízes sobre grupos menores, deixando apenas os casos mais complexos para ele. Esse conselho transformou a forma como Moshe liderava, beneficiando toda a comunidade.

Liderança e Gestão: A Arte de Delegar

Um dos principais ensinamentos de Shemot 18 é portanto a importância da delegação. Moshe, como líder principal, assumia sozinho a responsabilidade de julgar todas as disputas do povo. Isso não apenas o esgotava, mas também tornava o processo lento e ineficiente. Yitro identificou a necessidade de uma estrutura hierárquica, onde homens capazes seriam escolhidos para liderar grupos menores. Essa divisão do trabalho não apenas aliviava a carga de Moshe, mas também empoderava outros membros da comunidade.

No mundo contemporâneo, a delegação continua sendo uma prática essencial em organizações, empresas, e claro, na comunidade como um todo. Grandes líderes não acumulam todas as responsabilidades, em vez disso, confiam em suas equipes para cumprir tarefas específicas. Essa abordagem não só aumenta a eficiência, mas também promove o desenvolvimento de habilidades e o senso de responsabilidade entre os membros da equipe.

Organizações e empresas bem-sucedidas frequentemente adotam estruturas semelhantes à proposta de Yitro. CEOs, diretores, gerentes, por exemplo, confiam em departamentos especializados para lidar com diferentes aspectos do negócio, reservando-se às decisões mais estratégicas. Assim como Moshe precisou aprender a confiar em outros, líderes modernos também devem adotar uma mentalidade de colaboração e divisão de tarefas.

Também na Justiça

O modelo sugerido por Yitro também reflete a organização de sistemas judiciais modernos. Em muitos países, as disputas são divididas entre tribunais de diferentes níveis: juizados de pequenas causas lidam com questões menores, enquanto os casos mais complexos chegam às instâncias superiores. Esse sistema não apenas garante agilidade, mas também protege os direitos dos indivíduos ao oferecer soluções acessíveis e justas.

A organização sugerida por Yitro promove a eficiência e a justiça, princípios fundamentais em qualquer sociedade. Ela nos lembra que uma boa liderança não é centralizadora, mas sim colaborativa, criando estruturas que beneficiem a todos, e que especialmente, permitam o surgimento de mais líderes.

Pluralidade Cultural

Outro aspecto marcante de Shemot 18 é a colaboração entre Moshe e Yitro, que representam diferentes culturas e perspectivas. Yitro, um sacerdote de Midiã, não fazia parte do povo israelita, mas ofereceu uma contribuição significativa à liderança de Moshe. Sua sabedoria foi acolhida sem preconceitos, destacando o valor do aprendizado intercultural.

No mundo contemporâneo, a diversidade cultural é uma força poderosa em ambientes de trabalho e na sociedade como um todo. Colaborações entre pessoas de diferentes origens promovem inovação, criatividade e soluções mais abrangentes para os desafios. Assim como Moshe aprendeu com Yitro, os líderes de hoje devem estar abertos a ouvir e aprender com perspectivas diversas.

Relevância Universal

O princípio de delegação – confiar em outros, estruturar sistemas eficientes e promover a justiça – é tão relevante hoje quanto era nos dias de Moshe. A história de Shemot 18 nos lembra que boas ideias podem surgir de qualquer lugar e que o diálogo entre diferentes culturas e tradições é essencial para o progresso. A pluralidade é o que permite a construção de soluções plurais.

E a Resposta?

Lembrando antes, da pergunta feita: O que nos falta para avançar? No sentido geral isso pode ser muito amplo, porém falando em liderança e pluralidade especialmente, e no contexto desta reflexão, podemos dizer que Shemot 18 não é apenas um relato histórico ou um texto sagrado (como é para mim). É uma fonte de sabedoria prática para líderes, gestores e comunidades. Sua mensagem é clara: a liderança eficiente exige colaboração, organização e humildade para aprender com outros. E o fato de estar na Torá só nos comprova mais uma vez que: há milênios vivemos isso.

Porém em um mundo cada vez mais interconectado, esses princípios são mais necessários do que nunca. Sempre volto nisso pois dentro da visão da pluralidade, independentemente de crenças religiosas, a história de Moshe e Yitro nos convida a refletir sobre como podemos liderar com sabedoria, delegar com eficiência e valorizar as contribuições de diferentes vozes.

E num sentido mais amplo, para tentar responder também à pergunta, o que devemos manter em vista para nos ajudar a avançar é compreender o fato de que a sabedoria não pertence a uma única cultura ou época, mas é um bem comum da humanidade, universal, milenar como ela, e que aí sim sob a minha perspectiva agora, que é a do meu povo (minha perspectiva máxima), nos foi concedida por Quem nos criou e nos possibilitou com amor a experiência deste caminhar, a oportunidade de elevação, e junto a tudo isso, sim, um guia de como fazê-lo. E, novamente, cabe a cada um escolher por ela, ou não.

Por Sha’ul Ben Avraham