Será que as pessoas hoje sabem o que é a pureza, o que é a inocência? Os simples, inocentes e puros de coração, a Torah garante “eles verão a D’us”, e dizem nossos sábios que David Ha Melech repreendeu Shlomo seu filho, ao construir o Beit Ha Mikdash pois este afirmou que os Seraphin (uma das classes angelicais mais proximas de Kadosh Baruch Hu) tem a face semelhante a de crianças, puras e inocentes. O que significa isso? Que entre os mais poderosos seres, capazes de estar presentes diante do Criador do Universo, a pureza e inocência imparcial semelhante a da mais nobre das crianças é um elemento chave de seu elevado poder. Talvez por isso, rabinos como Yeshua ben Yosef, nosso Admor, disseram: “ Sejam humildes e puros como essas crianças Judias (enquanto brincam e cumprem mitsvot com alegria)”, pois não há nada mais poderoso que isso perante as esferas celestiais. E eles perceberam que estavam nus.

Este trecho de Bereshit relata o início do trágico adoecimento espiritual de Adam Ha’Rishon (o primeiro ser humano), quando o primeiro ser humano, após ingerir o fruto, desobedecendo ao Criador, tem os seus olhos fechados para as dimensões e céus acima, mas tem os olhos abertos para a malícia e a materialidade. Essa é a primeira morte, a morte da inocência.

Pureza e inocência são sublimes e antecedem tudo, tanto os méritos quanto o pecado. Isto é tal como a brit Mila feita em uma criança no oitavo dia, ela é mérito dos seus pais e não do bebê, mas é uma Bracha (benção) inestimável e vida transbordante na história e espiritualidade do pequeno. Assim, tal como o recém nascido que tem sua Brit, a inocência de Adam o cobria de luz como uma brit que ele não escolheu fazer, e o protegia independente de precisar ser coberto por méritos naquele momento.
Adam não percebia que debaixo dessa luz (de Kadosh Baruch Hu) o seu corpo estava realmente nú.
Aqui, você precisa ter sabedoria, pois a Torah fala de três níveis de nudez que Adam passou conseguir ver:
1- Nudez física como algo vergonhoso, pois a Yetzer Hará se tornou superabundante após o pecado, elevando sua malícia e matando sua inocência, a qual não permitia ele ver sua nudez física como algo vergonhoso envolvendo a malícia na sexualidade.
2- Nudez de méritos, pois Adam percebeu que enquanto estava em inocência recém criado ele não teve tempo de adquirir méritos perante Kadosh Baruch Hu que pudessem cobrir a vergonha de seu pecado, nisso este ficou exposto embora tentasse se esconder.
3- Nudez da Luz divina. A Luz que provinha como reflexo da imagem de Kadosh Baruch Hu e não de Adam. A luz emanava como a pele para Adam (Kotnot or). Ao pecar essa luz saiu dele e então ele percebeu algo grandioso, mas tenebroso. Ele sempre esteve nu. Pense comigo, caro leitor, Adam tinha sido criado a pouco tempo, nossos rabinos estimam que se passaram pouquíssimos dias no Gan Eden apenas, até o pecado que os retirou do estado elevado e rebaixou toda nossa criação fazendo a morte, antes impossível, agora se tornar uma realidade inalienável. Adam, de certa forma, se sentia como um recém nascido, onde a luz que o envolvia parecia ser sua, algo tão natural e intrínseco que para Adam ela era uma parte dele e essa luz não poderia deixar-lo jamais. Porém, dentro da Luz estava Adam, nu, como ele sempre esteve, porém por conta da luz o cobrir, as trevas de sua nudez eram imperceptíveis tal como para o sol ver a noite é impensável.

O Poder da Pureza

Uma criança fica nua e não sente vergonha, pois não tem malícia. Seus pais também não tem vergonha da nudez dela, pois ela é pura e seus olhos refletem a pureza de seus pensamentos como uma água cristalina que flui em calmaria. Agora um adulto nu se sente desconfortável em retirar suas roupas, as pessoas que veem um homem velho nu também ficam desconfortáveis, e não há nada tão humilhante quanto o obrigar a despir em público. Por isso, poucos notam a gravidade da última grande humilhação de nosso povo, ao ser obrigado pelos nazistas a ficarem nus ao entrarem nas câmaras de gás juntos em multidões ante os seus capatazes nazistas.

No Declínio Existe a Esperança

E nessa imagem, dos nazistas duplamente vestidos com seus jalecos e uniformes e os judeus nus enfrentando a morte com Emunah, vemos o dualismo da catástrofe e da esperança futuras. Por um lado a vergonha da nudez dos homens nazistas foi coberta por eles com vestes (cascas – “klipot”) de mentiras, pecados e impiedades, que cobrem a luz de suas almas divinas em total inebries e loucura, estes parecem estar vivos mas são duplamente mortos, e seu sangue está sobre suas próprias cabeças pois fizeram sua escolha.

Por outro lado a Nudez dos judeus do Shoah não era mais sinal de vergonha, sua pureza naquele momento era mais reluzente e poderosa que a das alegres crianças, e a retirada de suas vestes físicas fez seus corpos espirituais mais leves e fortes a ponto de revelarem em encorajamento comunitário a seus irmãos judeus a verdadeira luz da Emunah Sh’lemah (confiança perfeita). Estes judeus nus, corajosos e confiantes nas promessas de Adonai, frente a morte se vestiram de luz e se focaram na espiritualidade da Yachdut (judaísmo), na ressurreição dos mortos (techiyat ha’metim) e na vinda de Mashiach, elevando o coletivo na mais sublime Emunah (confiança). Todos, após a catástrofe verão certamente sua nudez aparente recoberta pela chessed (misericórdia) de Adonai. Sua dor, sacrifício e humilhação nos inspira o temor e a reverência a Adonai e sua Torah. É quando a vergonha da Nudez é coberta pela luz da Emunah que Adam cobre sua alma divina em Chochmah (sabedoria) e as demais Sefirot (emanações), e a Shechinah (Divina Presença) de Kadosh Baruch Hu o cobre de Torah como um manto real e joias raras. Adam reconheceu sua nudez, mas estes judeus fizeram o correto com ela: A cobriram com a Luz da Etz Chaim (Torah), e obtiveram a vida em seu estado mais elevado, infinito e Eterno, que se consumará no grande dia quando Kadosh Baruch Hu cumprir sua promessa a Am Yisrael, com a vinda de Mashiach, que seja em nossos dias, Amen.

Emunah e a Necessidade de Lembrar

Nossa Emunah é um exercício diário não apenas de estudar e praticar a Torah, mas de lembrar. Não há nada que vista a alma tão bem como as vestes de uma memória abençoada por Tsadikim em seus atos de Emunah e Kidush Ha’Shem. Assim, vamos fugir da nudez e vazio do esquecimento e abraçar a lembrança dos que se foram e não podem mais praticar a Yachdut. Shemot, Êxodo, capítulo 20, versículo 24: “Em todo lugar onde eu fizer recordar o meu nome, virei a ti para te abençoar”. Este trecho nos ensina que, em qualquer lugar que nos lembremos de D’us, seremos abençoados. Da mesma forma, por analogia, as crianças vítimas da Shoá nos interpelariam, como se dissessem: “em cada lugar, em cada bar e bat mitzvá que nos recordem, eu, desde a imensidão do universo e perto de D’us, também vou abençoá-los”. (Museu do Holocausto, Curitiba).

Por Shamash Yosef Ben Yaakov